Uma reportagem cita o presidente do juri deste ano, o escritor brasileiro Silviano Santiago, que destacou (sic) “a contribuição original e muito pessoal [de Dalton Trevisan] à arte do conto, que é uma arte muito difícil, dada como menor desde o século XIX”.
Onde foi que ouvi isso da última vez?
Ah, foi da boca de três conhecidos cronistas, referindo-se à ideia prevalente em
certos círculos literários de que a crônica é um gênero “menor” de literatura.
Epíteto difícil de engolir, quando se pensa em Rubem Braga, o genial escritor
que da crônica fez profissão e ganhou espaço indelével na literatura
brasileira. E Paulo Mendes Campos e…Machado de Assis!
Mais difícil ainda aceitar que o
conto seja um gênero menor, ao lembrar de Lima Barreto, Rachel de Queiroz, Carlos
Heitor Cony, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar e…Machado de Assis! E os
vizinhos Jorge Luis Borges, Julio Cortázar. Sem falar no próprio Silviano
Santiago e no laureado vampiro de Curitiba, um paranaense excêntrico e recluso
a ponto de sofrer como apelido o título de seu mais famoso livro. Fora outros
contistas, que vocês podem achar, com todo direito, melhores do que os citados.
Afinal de contas, que diabo é uma
arte “menor”? Mais curta? Há contos que dizem mais do que muitos romances
premiados. Mais simples? A trama de um bom conto pode ser tão rica quando a de
um belo romance. Menos sofisticada, mais acessível? Pois a sofisticação por si
só pode, na verdade, condenar um texto a servir apenas ao seu autor. E, se
menor, por que tantos romancistas brlhantes escreveram e jamais repudiaram seus
contos?
Acho que fez bem o juri do Prêmio
Camões em reconhecer publicamente o conto como gênero literário em pé de
igualdade com o romance. Assim como na pintura, na música, no cinema ou vídeo,
na literatura não há arte menor. Há artistas menores. E maiores, grandes, gigantescos,
como Dalton Trevisan.
Vejam lá se não merece triunfar um
escritor que recheia seus contos fascinantes e perturbadores com joias como esta,
um dos muitos pensamentos libidinosos do heroi (?) Nelsinho:
“A boquinha dela pedindo
beijo – beijo de virgem é mordida de bichocabeludo. Você grita vinte e quatro
horas e desmaia feliz.” *
E ainda falta redimir a crônica.
Rafael Linden
* O vampiro de Curitiba, no livro
homônimo, 1965.
Adorei Rafael! Muito bom mesmo!
ResponderExcluirBjs
Obrigado, Adriana. Cronistas unidos...
Excluirbj
Rafael
Conto é um romance liofilizado: só fica o essencial!
ResponderExcluirCrônicas são passeios pelo hoje, ontem e amanhã, sob um ponto de vista bem pessoal.
Ambos têm a capacidade de nos fazer ver e sentir.
Amo essas duas formas de literatura, incondicionalmente!
Estou à espera da sua próxima crônica, Rafael.
Beijos
Doris
Eu também jamais compartilhei a idéia de que gênero define qualidade. Obrigado pela visita!
Excluirbjs
R