É chegada a véspera do Natal e a
gentil leitora dá os últimos retoques na decoração do pinheirinho, antevendo a
alegria das crianças ansiosas pela visita de Papai Noel. Vez por outra, nossa
fã dá uma olhadinha no forno para ver a quantas anda a deliciosa ave natalina
que, em poucas horas, se desmanchará nas bocas ávidas da família reunida. E é aí que lhe vem à mente a dúvida cruel: afinal, que ave é essa que eu
estou assando?
Pois ainda ontem, num supermercado da
cidade, uma simpática reporter de TV entrevistou uma freguesa que se queixava
da carestia. A aflita senhora se dizia assustada com os preparativos da ceia
tradicional, pois o preço do peru está pela hora da morte e, você sabe, com
essa crise e coisa e tal... Ato contínuo, a zelosa jornalista passou a palavra
para o responsável pelo setor de carnes congeladas do estabelecimento. Este,
esbanjando autoridade, ofereceu à freguesa a alternativa de assar uma “ave
temperada congelada”, de excelente qualidade, com gosto quase idêntico ao do
peru, a um custo bem menor. Malgrado a alegria que tomou conta da telinha, o
que de fato nos impressionou foi constatar que, assim como nossa leitora,
jamais nos perguntamos que diabo de ave seria aquela, de tamanha importância para
as festas natalinas. Se não um peru, o que é?
Numa hora dessas, o que faz um
cronista? Não, senhora, não é o caso de alertar as autoridades sanitárias. O escritor
recorre à Internet, digitando “ave
temperada congelada” no buscador. Em fração de segundo, chega-nos aos olhos
a bagatela de setenta mil verbetes, o primeiro dos quais oferece a explicação
de que se trata de “uma ave com maior concentração de carnes nobres, como peito
e coxas”. Não fosse a foto da embalagem, poder-se-ia desconfiar de pornografia.
O segundo verbete informa que a ave congelada de outra marca está indisponível.
Uma corrida às compras pelos telespectadores do noticiário matutino? Prosseguindo
na busca, finalmente descobrimos que ao menos algumas das aves temperadas são…frangos.
Mas não é qualquer frango. Um deles é “uma
linhagem especial que veio das terras altas da Escócia”. Só um especialista
pode explicar aos caros leitores a razão de sair mundo afora para escolher um
galináceo entre, pelo menos, as variedades Light
Sussex, Jubilee Orpington, Cuckoo Maran, Anaconda, Salmon Faveolle, Welsummer, Buff
Orpinton e muitas outras, e trazer a eleita para nossa terrinha, que produz
mais de doze milhões de toneladas por ano e exporta frangos para mais de cento e
quarenta países. Mas, são coisas da indústria, que pouco nos importam se a tal
ave, quando assada, é saborosa, nutritiva e mais barata que um peru.
Então, respiram aliviados nosso
inúmeros seguidores, trata-se de frangos como, por exemplo, o “chester” que,
enfim aprendemos, é uma marca registrada por uma empresa para designar frangos
tão peitudos e coxudos quanto vários outros de outras marcas. É claro, resmunga
o rabugento, esse cronista metido a besta, por acaso, achava que a ave
temperada congelada era urubu? Não chegamos a esse extremo, mas,
entre as pérolas com que a Internet nos brinda, encontramos o Regulamento
Técnico de Identidade e Qualidade de Aves Temperadas, expedido pelo Ministério
da Agricultura, o qual, a folhas tantas define que “…entende-se por Aves Temperadas o produto cárneo industrializado, obtido
de aves domésticas como Frango, Galinha, Peru, Marreco, Galinha d'Angola e
outros…”. Outros? Que outros??!! Consola-nos saber que urubu não é
propriamente uma ave doméstica, e que também estamos livres das galinhas
selvagens da ilha de Kauai, no Havaí, descendentes de galinhas domésticas que
escaparam dos quintais de casas na ilha e foram morar na floresta vizinha. Mas,
acreditem, o insuspeito IBAMA considera oficialmente domésticas para fins de operacionalização
– seja lá o que isso for -, aves como canários, periquitos, pombos e até cisnes
negros. Esperneie quanto quiser, rabugento, porém nada impede que o seu vizinho
rotule como “ave temperada congelada” qualquer exemplar de sua ruidosa criação de
periquitos que ele porventura roube e guarde no freezer.
Confessamos, então, que mesmo depois
de tanta busca na Internet, infelizmente, persiste uma pulga atrás de nossa
orelha. Entre outras coisas, por conta de uma historinha que nos chegou a
partir do testemunho de um ilustre ex-aluno de respeitabilíssima Universidade
brasileira. Vizinhos ao prédio onde nosso informante estudou, há uma praça
cheia do que a modernidade chamaria de food
trucks, ou seja, na verdade uns trailers mal-ajambrados, entre os quais se
destaca uma pastelaria muito popular. Um professor costumava encomendar, para entrega
em sua unidade de ensino, pombos vadios para demonstrações nas aulas práticas
de Anatomia de Aves. Um belo dia, na falta de animais, o professor saiu à pracinha,
onde sempre se via uma infinidade de pombos. Desajeitado, o mestre tentava de
tudo, mas não conseguia capturar nenhum. Lá pelas tantas, o dono da pastelaria
saiu de seu trailer e ofereceu ajuda. Aproximou-se lentamente de um pombo que
ciscava no chão e logo a ave se deixou pegar, sem resistência, ao som da melodiosa
voz do Sr. Wang, que cantarolava mansamente “fango…fango...”.
Feliz Natal!
Rafael Linden
Pois é... o que são OUTROS?
ResponderExcluirContinuo na dúvida...
ExcluirLegal Rafael! Feliz natal para você também!!! Seja com peru, frango ou outros...
ResponderExcluirObrigado, Luiza. Tudo de bom, sucesso e sorte para você e todos os seus.
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