Ah, o calor
do verão que chega junto com as festas de fim de ano, desespero, dieta braba,
malhação, a última rabanada que sai pelo lado do biquini, e o pior é aquela
sirigaita que vemos entrando na churrascaria, magra feito um varapau, e do jeito
que ela saracoteia não é doença, é praga que nos rogaram no segundo grau e
pegou para a vida toda, ora, minha senhora, essa lenga-lenga por causa de um
quilinho a mais ofende quem calcula perda de peso em arrobas. Será o Benedito?
Ou será a Genética? Afinal, muita gente na família da querida leitora vive de
dieta. Isso sim é herança maldita.
Pois saiu,
na prestigiosa revisa da Academia Americana de Ciências, um artigo
interessantíssimo publicado pelo cientista James Rosenquist, do Massachusetts General Hospital, sobre um
gene conhecido por sua associação com obesidade. O gene é chamado FTO,
abreviatura no inglês para “associado com obesidade e massa de gordura”. Quem
herda dos pais uma variante específica deste gene em geral é mais gordo do que os
outros e tem cinquenta por cento a mais de chance de se tornar obeso. Boa
desculpa, né? – É por causa do FTO, garçom, traz mais uma porção de linguiça!
Mas isso não
é novidade, são vários os estudos que demonstram a correlação entre a tal
variante e o chamado índice de massa corporal, o qual indica o quanto o cidadão
vem exagerando no torresmo, no joelho de porco e no quindim. A grande sacada do
Rosenquist foi desenvolver um método estatístico para estudar a influência do
gene FTO sobre esse índice ao longo da história recente. Não em função da idade
de cada indivíduo, coisa já sabida, mas ao longo dos últimos trinta anos. O
cálculo estatístico é bem mais cabeludo do que temos competência para analisar,
mas damo-nos provisoriamente como satisfeitos porque o método foi examinado e chancelado
por um dos mais importantes especialistas americanos em estatística demográfica,
chamado Kenneth Wachter que, a julgar pelos cinco meses decorridos entre a
submissão e a aceitação do texto, exigiu um trabalhão adicional dos autores, até
se dar por satisfeito e recomendar a publicação do artigo.
A equipe do
Doutor Rosenquist examinou a base de dados de um projeto chamado Framingham Heart Study que vem, desde
1948, coletando dados de sucessivas gerações de moradores da cidade de
Framingham, nos Estados Unidos, e cuja análise já resultou em várias
descobertas importantes sobre fatores de risco para doenças do coração e outras
moléstias. Com o novo método, verificou-se que a associação do gene FTO com a
obesidade só começou a aparecer em pessoas nascidas a partir de 1942. De alguma
forma, gerações anteriores escaparam da maldição e, mesmo tendo no seu genoma a
tal variante perigosa, não apresentaram risco de obesidade maior do que os
outros. E mais, o efeito do FTO vem aumentando progressivamente nas gerações
mais novas.
O rabugento
parou de mastigar seus salgadinhos e grita que qualquer um sabe que a epidemia
mundial de obesidade está aumentando por culpa do maldito sedentarismo causado
pelas engenhocas modernas que poupam a atividade física, acompanhado das
comidas industrializadas gordurosas, da correria que nos obriga a se deslocar de
carro, de taxi ou de metrô em vez de caminhar uns poucos quarteirões, da falta
de chuva, do capeta e do Felipão, nesta ordem. Terminado o discurso, retoma a mastigação.
Constatando que ele se acalmou, atrevemo-nos a acrescentar que a questão não é
se a obesidade está mais comum, e sim o papel da Genética neste aspecto
particular da saúde humana. E, depois de mais alguns salgadinhos, talvez o
chato nos permita observar que tudo o que ele disse é provável, mas não está
cientificamente provado.
O fato é que
as relações entre a obesidade e seus presumíveis fatores de risco fazem parte
de um universo complexo da Medicina, que lida com a interação dos genes e dos
fatores ambientais, interação essa que, diga-se de passagem, está presente em tudo.
Exemplos extremos, como certas doenças que são causadas por mutações em um
único gene, são contrabalançados pela chamada penetrância, uma espécie de
medida do quanto um determinado gene manifesta seus efeitos na população, como
ocorreu com o efeito do FTO sobre a obesidade ao longo das últimas décadas. Mas
há mais sobre o assunto.
Por exemplo, é senso comum que a
inatividade leva à obesidade. Todos concordam que quanto menos um indivíduo se
mexe, caminha, faz exercício, corre, pula, rebola ou sapateia, mais engorda,
certo? É, eu também tinha essa certeza até ler trabalhos de cientistas sérios
que resolveram testar empiricamente, afinal, quem é a galinha e quem é o ovo, e
mostraram evidências, tanto em crianças quanto em adultos, de que a correlação
entre inatividade e obesidade parece ser ao contrário do que se pensa. Ou seja,
de acordo com estas análises a obesidade definitivamente leva à inatividade,
mas os resultados não corroboram o senso comum de que a inatividade seja o
fator determinante da obesidade. Agora sim, o rabugento gostou e refestelou-se
na chaise longue, achando-se isento
da culpa que o atormentava por não fazer exercício.
Mas, alto
lá, não nos acusem de inculcar idéias de jerico na cabeça de ninguém! Dieta
balanceada, variada e saudável e exercício físico regular e moderado fazem bem
à saúde de mais formas que se pode imaginar à primeira vista e, se bem
calculados, ajudam a emagrecer sem efeitos colaterais. A crônica de hoje serve apenas para alertar todos
os que desperdiçam seu precioso tempo lendo estas mal traçadas linhas, que não faz
bem à saúde de ninguém aderir cegamente a dogmas empolados, muito menos a
conselhos genéricos espalhados pela midia sensacionalista ou pela fofoqueira do
prédio da esquina, porque saúde e seus desvios são assuntos pra lá de complexos.
Vosso cronista predileto, embora já – e tardiamente – tenha se tornado adepto
de refeições cada vez mais magras e exercícios regulares moderados declara-se,
oficialmente e com firma reconhecida, ainda gordo e cada vez mais confuso. Pois
desde a obesidade mórbida até aquele minúsculo pneuzinho de bicicleta infantil,
que tanto incomoda a formosa senhorita ávida por selfies com os bonitões da praia, a coisa é mais complicada do que
parece. É assunto para profissionais.
Rafael Linden
Eu concordo... muito complicada.. e com a idade fica mais complicada ainda.
ResponderExcluirAté parece...
ExcluirObrigado pela visita!
bjs
R
Ufa! Que alívio Rafa. Finalmente uma explicação para meus pneusinhos.....bjs, Nora
ResponderExcluirOra essa, que pneuzinhos?
Excluirbjs
R
A coisa é bem mais complexa do que imaginava...
ResponderExcluirÔ!
Excluir:-)
vou clicar no seu banner pra vc ganhar uns dolares :D
ResponderExcluirMui generoso de vossa parte. Obrigado!
ExcluirDe nada kkk :3
ExcluirÓtima crônica! Simplesmente fantástica. De fato o senso comum é um lugar perigoso para ficar. Qualquer questão que envolva interação gene/ambiente é realmente complexa.
ResponderExcluirGostaria de aproveitar para divulgar meu blog: mitocondriasnomingau.blogspot.com . Adoraria te ver por lá Rafael!!
Obrigado!
Eduardo Padilha
Obrigado, Eduardo. Farei uma visita.
ExcluirAbs
R
Oi como está? só estou passando para lembrar que seu blog ainda é muito bem vindo lá no Turbonauta , o novo agregador de links do Portal Teia, te espero lá hem!!! Até mais
ResponderExcluirAcesse: http://turbonauta.com.br/
Estou sempre lá, Alfredo!
ExcluirAbraços
R