Deu no
jornal que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina condenou uma empresa a
indenizar um consumidor, cujo aparelho de ar-condicionado queimou após contato
com uma lagartixa que entrou no motor do equipamento.
A condenação
ocorreu apesar da enérgica atuação do advogado da empresa, o qual alegou ser o
próprio consumidor culpado por ter permitido o acesso da lagartixa ao aparelho.
De acordo com o causídico, “isto provocou não só a queima do motor como a morte
do pequeno réptil”.
Nossa equipe
de assessores garimpou cenas adicionais deste inusitado processo. Os eventos
abaixo jamais irão ao ar pela TV Justiça, mas é mister que o distinto público
deles seja informado pois, se não aconteceram, poderiam perfeitamente ter
ocorrido nos bastidores deste caso de aplicação exemplar do Direito do
Consumidor. Ou, pelo menos, serviriam para subsidiar um episódio do seriado Law and Order: Special Victims Unit,
especial no caso sendo a lagartixa.
Não se pode
atestar a veracidade dos detalhes a seguir, pois deles tomamos conhecimento
através do relato de terceiros. Consta, porém, que a alegação final proferida
em tom solene pelo advogado da empresa, foi escolhida com antecedência numa
tensa reunião do Departamento Jurídico. Um indiscreta secretária – criatura
fictícia, naturalmente, porque isso não existe – revelou, à socapa, os
argumentos ensaiados preliminarmente.
Um dos
advogados sugeriu: “Meritíssimo, sabemos todos da aflição de muitos e muitas à
visão de uma lagartixa, mesmo que de relance. Afloram fobias de infância,
maldades de supostos amiguinhos, ou a lembrança amarga de uma noite quente de
verão, quando o frio e gosmento animalzinho despencou do teto sobre a bochecha
da criança semi-adormecida. Trauma profundo, de difícil recuperação. Destarte,
como duvidar de que o cidadão, no impulso de defender sua mui amada cônjuge, matou
a lagartixa e, com o intuito de trocar o aparelho usado por um novo em folha,
enfiou a bichinha morta no motor? Esta dúvida paira sobre o
caso em pauta, assim proibindo que os eventos ocorridos nas entranhas do
aparelho sejam imputados à nossa cliente, a qual já soma dezenas de anos de
bons serviços ao comércio internacional”.
Esta linha
de defesa foi afastada sob vaias e uma chuva de bolinhas de papel. O chefe do
Departamento Jurídico estava à beira de um ataque de nervos com a incompetência
da equipe, quando um estagiário recém-chegado perguntou: “largatixa é répiti?”. Um
dos advogados mais antigos, um pouco estourado porém particularmente zeloso da
língua pátria, disparou: “Meu filho, largatixa
é a p&@%#…”, ao que o diretor acorreu: “Calma, calma gente, o moço está
aqui para aprender. Não é largatixa,
é lagartixa, la-gar-ti-xa, entendeu? E não é répiti, é réptil, rép-til, sua besta!”. Serenados os ânimos com um
providencial cafezinho o estagiário, afinal, concluiu: “então, não é melhor falar
da morte pavorosa do pequeno réptil, porque assim os jurados que tem filho
pequeno vão se lembrar da pequena sereia do desenho animado e…”
Os advogados,
embasbacados, refletiram, debateram, consultaram jurisprudência, tomaram mais
uns dois cafés e concluiram que melhor do que isso era impossível. O estagiário
foi cumprimentado efusivamente e quase foi parar no hospital, de tanto tapinha
nas costas. E, no dia seguinte, o defensor concluiu suas alegações finais com: “O
animalzinho, Meritíssimo, foi vítima da fome e de sua própria curiosidade. Como
atestado por um experiente herpetólogo, trata-se de uma lagartixa adolescente. Chamemo-la
de Ariel. Nossos peritos asseguram ser impossível afastar a possibilidade de
que Ariel invadiu deliberadamente o aparelho de ar condicionado, no afã de
deliciar-se com um exemplar particularmente suculento de Aedes aegypti que ali se meteu. Por conseguinte, de quem é a culpa?
De um arroubo de juventude motivado pela fome? Ou do querelante, que se absteve
do esforço coletivo contra a dengue e, com isso, tem em casa mosquitos
assassinos? Como condenar a empresa, se a causa dos malfadados acontecimentos
foi um descuido do queixoso que, esse sim, ameaça toda a população de nossa
cidade? A lei é clara. Uma condenação deve se basear em provas técnicas sem
sombra de dúvidas. Ofereço-lhes, entretanto, a hipótese alternativa de que a
negligência do querelante resultou em infestação de mosquitos da dengue,
petisco inigualável para uma pobre lagartixa, ainda mais adolescente. Afirmo
ser impossível afastar a possibilidade de que foi isto que provocou não só a
queima do motor como a morte do pequeno réptil!”
Os jurados
não cairam na conversa do eminente causídico, apesar da retórica impecável e do
golpe baixo do assistente da defesa que, dissimuladamente, assobiava em pleno
tribunal a canção tema da pequena sereia até ser severamente advertido pelo
juiz. Mesmo porque não se convenceram de que o cadáver de Aedes aegypti tinha sido totalmente calcinado no motor. E o consumidor saiu de lá com a
satisfação estampada no rosto e uma gorda indenização enfiada no bolso.
Uma semana
depois dois meninos, que jogavam futebol em um terreno baldio no bairro dos
Ingleses, encontraram a chave de parafuso usada para abrir uma frestinha no
motor e a frigideira na qual o Juquinha, filho do consumidor com sua mui amada
cônjuge, tinha fritado a lagartixa antes de ser flagrado mexendo no ar
condicionado, com um sorriso malévolo na carinha de anjo, pela empregada que,
com pena do moleque, prometeu não contar nada para os patrões.
Rafael Linden
Secretária indiscreta é personagem de ficção, mas e a empregada que não conta nada, existe? Rs
ResponderExcluirBem lembrado...
Excluir:-)
bjs
R
Caraca meu... que viagem... maneiro a parada!
ResponderExcluirValeu!
Excluirabs
R
Mais um imortal da ABL nascendo literariamente?
ResponderExcluirÉ o que parece, sempre vejo textos nesse blog através do link num site que visito e é sempre qualidade impecável! Sensacional!
ExcluirObrigado Paula, volte sempre!
ExcluirR
Essa empregada hein... ha ha! Que leitura gostosa...
ResponderExcluirBjossssss
Obrigado, Carla.
ExcluirBjs
Rafael
Muito legal Rafael!, Parabéns!
ResponderExcluirE o Aedes Egypti caindo de pára-quedas no "causo"... Muito bom.
ResponderExcluirOu voando de asa delta...
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