Em dias meio mornos, até mesmo este seriíssimo
cronista é dado a devaneios. Assim, hoje notamos que se aproxima o trigésimo
aniversário do terceiro disco da banda Titãs, chamado “Cabeça Dinossauro”. Sim,
madame, eu sei que é só no ano que vem, mas a senhora já imaginou a enxurrada
de reportagens e crônicas comemorativas que saudarão a efeméride imprensa
afora? Que chance tem um praticante de Literatura marginal, frente aos
luminares que então se manifestarão, do alto de suas colunas cativas nos mais
poderosos veículos de comunicação? A nós, amadores, resta sair na frente a fim
de provocar nos leitores antecipada nostalgia. Antevejo cinquentões e
sessentões aos borbotões – queiram perdoar…-
recordando, sorridentes, os sacolejos no Circo Voador, o frenesi nos
teatros e estádios, o alegre chafurdar no atoleiro do Rock in Rio e,
lástibatinotiliste, modorrentos sábados chuvosos assistindo, pela televisão, ao
lendário “Perdidos na noite”, apresentado por Fausto Silva antes desse último
ser pasteurizado.
“Cabeça Dinossauro! Pança de Mamute!
Espírito de Porco!” urravam os guris enlameados, num filmete muito doido,
gravado pela câmera do Branco Mello apoiada numa pedra, em frente a uma
cachoeira situada na chapada dita a dos Guimarães no clipe, ou a dos Veadeiros
pelo Sergio Britto na histórica entrevista concedida pelo grupo à jornalista
Lorena Calábria. Mas seja qual chapada for, depois do primeiro disco - um
sucesso - e do segundo - um fracasso -, o álbum “Cabeça Dinossauro” catapultou
os músicos ao rol dos monstros sagrados do roque brasileiro. As três únicas
frases que formam a letra concretista da faixa-título, inventada de brincadeira
dentro de um ônibus que os carregava em uma turnê, significam…significam…sei lá o
que significam, talvez um diagnóstico da condição humana, ou uma porralouquice
qualquer, afinal isso aí é rock’n roll.
Ainda estão aí? Então chegou a hora
de perguntar qual é a agenda oculta do insidioso cronista. Nada demais, como de
hábito uma livre associação de palavras, que nos trouxe a outro assunto
relacionado a cabeças: a insólita promessa do neurologista italiano Sergio
Canavero, acompanhado pelo neurocirurgião chinês Xiaoping Ren, de transplantar
a cabeça de um cientista da computação russo para um corpo retirado de um cadáver fesquinho, com o intuito de curar o russo de uma forma de atrofia
muscular espinhal, doença neurodegenerativa gravíssima e progressiva.
O Doutor Canavero tornou-se uma
celebridade ao se dizer preparado para realizar o transplante dentro de uns
dois anos. Mas trata-se de uma empreitada que, embora possa vir a funcionar
algum dia, é altamente improvável em futuro próximo. Canavero, em suas
palestras, descreve a proposta de reconectar as complexas conexões neurais
entre o cérebro e a medula espinhal através do uso de um composto que amolece
as membranas celulares e, candidamente, ilustra o método com um punhado de
espaguete. Alega que as tecnologias hoje disponíveis já permitem planejar uma
cirurgia como esta. Nisso ele está certo, assim como as informações disponíveis
numa consulta ao Google me permitiriam facilmente planejar uma travessia do
Oceano Atlântico a nado, apesar do sobrepeso, falta de treinamento e lesões
crônicas de tendões nos ombros.
Mas fique tranquila, cara leitora, pois ao
contrário do Doutor Canavero, ainda nos sobra um mínimo de bom senso, com o
qual temos o saudável hábito de abortar ocasionais e espetaculares idéias de
jerico. Não creio estar sozinho na modesta opinião de que a promessa do Doutor
Canavero é um embuste, pois vários especialistas acham que, das duas uma, ou o
prazo para executar tal façanha foi grosseiramente subestimado, ou o italiano é
simplesmente doido varrido. E não, meu ilustre e iracundo leitor rabugento, não
se trata de mais um visionário brilhante refutado por criaturas medíocres e invejosas.
Outros tiveram esta visão muito antes do Doutor Canavero e, pelo menos, testaram
a viabilidade de sua visão através de experimentos que, até hoje, nunca deram
certo. Por exemplo há algumas décadas um neurocirurgião americano transplantou
uma cabeça de macaco para o corpo de outro e as duas partes "funcionaram" independentemente
por pouco tempo, sem nenhum sinal de conexão. O próprio Doutor Xiaoping Ren
vem, há anos, repetindo experimentos em que transplanta a cabeça de um
camundongo para o corpo de outro e jamais conseguiu manter o corpinho do doador
“vivo” – ou seja, com o coração batendo - por mais do que alguns minutos, coisa
que aconteceria de qualquer forma com o bichinho decapitado largado
em cima da mesa. Nesse aspecto, o neurocirurgião chinês se revela pouco mais do
que a reencarnação da velha Rainha de Copas, de Alice no País das Maravilhas.
Não se pode, é claro, negar a possibilidade
desse tipo de procedimento vir a se tornar factível no futuro. Mas esse
furdunço midiático é apenas mais uma demonstração de uma incansável busca por holofotes, na qual o valor real do avanço científico e
tecnológico é substituído pela exploração da expectativa popular, aprofundada pelo sensacionalismo de parte da midia e agravada pelo efeito multiplicador das redes sociais. Seria, é claro, injusto condenar quem se alimenta de
esperança, como o russo que se ofereceu como cobaia da cirurgia, desesperado
pela perspectiva de piora progressiva da sua terrível doença. Pelo contrário, é
revoltante ve-lo iludido, assim como tantos que se apressam a celebrar a visão
e a audácia do médico italiano, as quais não passam de auto-promoção à custa da boa
fé alheia.
E pior, está chovendo dinheiro,
proveniente das doações de um monte de gente que se mobilizou para ajudar a
financiar este projeto. O Doutor Canavero precisa de recursos vultosos para
recrutar uma equipe de cento e cinquenta profissionais de saúde, que ele estima
necessários para a cirurgia. Um gaiato que lê o rascunho desta crônica sobre
meu ombro lembra a piada da pergunta sobre quantas pessoas são necessárias para
trocar uma lâmpada, incluindo a que vai subir na escada e as que vão girá-la
para desatarrachar a lâmpada. Também ouvi de um amigo um comentário sobre a
torturante dúvida do italiano, se é tecnicamente mais correto levar a cabeça
do paciente para a mesa na qual está o cadáver degolado, ou vice-versa. Cá para
nós, pensando na poesia concretista dos Titãs, a chance de sucesso desse
espírito de porco seria maior se ele transplantasse a cabeça de um dinossauro
para a pança de um mamute e contratasse a escritora Mary Shelley para escrever
sua biografia e o cineasta Mel Brooks para filmar uma sequela.
Rafael Linden
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Dabril
ExcluirJá cadastrei o blog. Obrigado
Crônica maravilhosa, e o melhor e tudo é terminar cantarolando 'cabeça dinossauro, pança de mamute' do Titãs. he he
ResponderExcluir:-)
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