Senhor
Eustáquio de Sá, pode entrar, mas o que é isso?!! Sente-se aqui, que já vou
tratar do seu olho... Doutor, não vos afobeis, só não me faças rir... Mas é urgente... Doutor, acredite, isto
cá não me apoquenta, o que vai me matar é o que foi feito de minha obra... Do que o senhor está falando?
Ora pois, para começar tentarei
livrar-me de meu sotaque materno, já que mais carioca não há do que a criatura
que cá plantou este povoado. Estive a
caminhar pela Cidade Maravilhosa, como a chamam as cartas psicografadas que
recebo através de uma médium que mora no Catumbi. Comecei por visitar o istmo
onde fundei a gloriosa São Sebastião e assustou-me a desordem urbana, pois mal se
pode passear pela margem da baía, coisa que nos levaria do forte de São João às
vizinhanças da Praia Vermelha. E houve tempo em que se achava aquilo lá um
lugar ermo. Lá isso é, Seu Eustáquio...
Deixe-me prosseguir. De tanto andar
acabei por tomar o rumo de um morro, onde um tio meu alega ter fundado esta
cidade quando, ora bolas, fui eu que o fiz n’outro lugar. Pois a colina sumiu. E,
no caminho, ainda fui abordado por dois meninos com uma faca, que levaram-me as
roupas, deram-me socos e pontapés e deixaram-me de ceroulas. Vaguei por horas
até encontrar um guarda, que só largou do apito para resmungar algo em língua
tupinambá, que parecia “nécomígunhón”, até que uma boa alma levou-me a um
abrigo, onde jantei coisas que não conheço e ganhei umas roupas esquisitas. São estas que veste agora?
Pouco importa. Depois desta recepção,
fiz de tudo para encontrar a médium do Catumbi, pelo endereço do remetente que constava
nas cartas. Uma senhora me explicou como chegar lá, mas creio que enganou-se
pois, depois de quase sufocar num buraco com nome de santa, vi-me no topo de
uma ponte que não tinha um rio embaixo, e onde passavam carroças estranhas e velozes,
porém nenhuma gente a pé. Era tarde da noite e lá não havia casas, e sim um
teatro a céu aberto, todo iluminado e coberto de cartazes com pinturas de mulheres
quase nuas e copos de cerveja, onde uma multidão cantava e parecia gritar meu
nome ao som de tambores. Achei que seria minha salvação mas, quando logrei
descer da ponte e entrar no edifício, fui corrido de lá a cacetadas por uns
gajos enormes fardados. Levei tanta bordoada que nem sei quanto tempo passou
até me acertarem essa lança nas fuças. Mas
que horror, Seu Eustáquio. Temos de cuidar logo do seu olho, mas precisamos também providenciar um boletim de ocorrência...
Doutor, pelo amor do rei Dom Sebastião
que, valha-nos Deus, um dia regressará, faça-me só um curativo e deixe-me
voltar para casa. E, ouça-me bem, depois da idéia de jerico de viajar através
de quatro séculos e meio, só para ter esse desgosto pelo que fizeram do meu
povoado, e da dor lancinante que me dá quando acho certa graça nas minhas
desventuras, queira perdoar, mas Eustáquio é o raio que o parta!
Rafael Linden
muito bom... Mas Estácio de Sá deve estar apavorado com o que vê.
ResponderExcluirObrigado, Anahertz. Nāo é a toa que o "Eustáquio" quer voltar para casa com a lança no olho mesmo...
ExcluirMuito, muito bom... tive que comentar só pra dizer isso!
ResponderExcluir(mesmo sendo muito burocrático comentar... preencher formulários, letrinhas de confirmação e etc, etc, etc he he)
Muito obrigado, volte sempre!
ExcluirMuito legal Rafael!
ResponderExcluirNécomígunhón!!
:-)
ExcluirObrigado, volte sempre!