Em 1995, na sexta temporada da série “Os
Simpsons”, Homer arrumou um jeito de animar festas infantis como substituto de
um palhaço endividado com a Máfia. Nesse enredo rocambolesco o autor do
episódio, John Swartzwelder, colocou na boca de Simpson a frase “quando eu vejo
o sorriso naquelas carinhas pequeninas, sei que eles vão me aprontar alguma…”. Mundo afora, milhares de mamães,
papais, vovós e vovôs estão convictos de que uma frase dessas só poderia sair
de um personagem abjeto, típico de uma família disfuncional. Essa não, quem
duvidaria da pureza do sorriso de uma criança? E que dizer de um bebê de dois
ou três meses de idade que, pela primeira vez, sorri genuinamente para a mãe, ah,
tem coisa no mundo mais inocente, mais desinteressada, mais bela, maich-cutchi-cutchi-du-qui-iiischooo???
Não, não tem. Porém…
De início comunicamos ao distinto
público que este cronista se derrete todo quando as netas lhe sorriem. Ainda que
pareça, o abaixo assinado não é um ogro, tá bom? Mas a Ciência é implacável e um
artigo científico, publicado na revista PloS
One, trouxe evidências de que o sorriso do bebê está longe de ser inocente.
O trabalho é assinado por três pesquisadores que combinaram suas respectivas proficiências
em Psicologia, Engenharia e Robótica. Não, minha senhora, não sei se eles tem filhos
e netos. Não vem ao caso e, a propósito, reiteramos que este blogue jamais se
prestaria a desmoralizar bebês indefesos, muito menos a refutar as opiniões totalmente
isentas de seus progenitores e demais familiares, afinal nossos filhos e
filhas, netos e netas sempre serão, indubitavelmente, os bebês mais lindos,
mais inteligentes, maich-cutchi-cutchi…
Bem o sabemos. Mas vamos aos fatos.
O estudo foi liderado por Javier
Movellan, da Universidade da California em San Diego, um especialista em máquinas
“inteligentes”, engenhocas capazes de decodificar sinais do ambiente de forma
análoga aos seres humanos. Entre outras façanhas, aquele cientista foi responsável
por orientar a construção de um robô
com cara de criança, chamado “Diego-San”, capaz de responder a ações humanas com expressões faciais
variadas. Isso mesmo, madame, inclusive com um doce e inocente sorriso. O Doutor Movellan recrutou seu
ex-aluno Paul Ruvolo e o psicólogo Daniel Messinger, da Universidade de Miami,
e juntos testaram hipóteses sobre a meta, ou propósito, da interação entre o
sorriso de bebês de um a quatro meses de idade e suas respectivas mães.
Novamente, o leitor rabugento larga
seu picolé no cinzeiro e bufa “lá vem esse…querendo atribuir maldades a um
bebezinho…”. Esclarecemos, porém, que “meta”, no caso, se refere ao conceito de
goal na chamada Teoria de Controle, uma
interdisciplina de bases matemáticas destinada a definir o que é necessário para um sistema dinâmico
(por exemplo, uma máquina complexa) reagir a condições externas para sempre produzir um resultado pré-fixado. Por exemplo, pergunte-se “o que é necessário
para controlar a órbita de um satélite de comunicações?”. A meta é manter o satelite em órbita estável e para isso é preciso um conjunto de engenhocas
e procedimentos, que constituem o chamado “controlador” do sistema. O mais
importante é que a Teoria de Controle não atribui uma “intenção” ou uma
“consciência” ao controlador, pelo contrário, serve para
abstrair do problema concreto sua base teórica. Por isso esta teoria é aplicada não apenas na Engenharia, mas em Ciências
Sociais, Psicologia e outras áreas do conhecimento.
Na origem o comportamento esperado do
sistema sob análise era pré-determinado (por exemplo, transmitir a malfadada Copa
do Mundo do Brasil para outros países), coisa essa que determinava a meta do
controlador (por exemplo, codificar sinais de televisão e encaminhá-los sem
ruídos ao satélite, chova ou faça sol). Mas a Teoria de Controle pode ser
invertida, visando entender o controlador a
partir do comportamento observado quando o sistema está funcionando - por
exemplo, inferir o que acontece no centro de midia a partir da observação de
que países receberam imagens distorcidas.
Então, os cientistas usaram essa
teoria para identificar a meta da mãe ao sorrir para o seu bebê e, vice-versa,
a meta do bebê ao sorrir para a mãe. Vixe, daqui dá para ver o leitor rabugento
espumando de raiva e atirando sua caipirinha na tela do computador, que só não
quebrou porque o copo era de plástico. Componha-se, homem, que ainda não acabamos!
Eles analisaram detalhadamente os momentos em que o bebê e sua
mãe começavam a sorrir e a duração de cada
sorriso, e compararam os resultados com hipóteses acerca da meta do sistema em
cada caso. Concluiram que, no caso da mãe sorrir primeiro, a meta mais provável
era levá-los ambos (mãe e bebê) a sorrirem. Já no caso do bebê sorrir primeiro,
a meta mais provável foi apenas da mãe sorrir. De modo geral, quando o bebê iniciava
a interação, desmanchava o sorriso assim que a mãe respondia com outro sorriso.
Durma-se com um barulho desses! Pois
não é que o sorriso puro e inocente do bebê tem uma agenda? Mas vejam bem,
nunca é demais repetir que a Teoria de Controle não atribui intenção, apenas
concatena fragmentos de um sistema em uma lógica funcional. Assim também Javier
Movellan e seus colegas, embora considerem a possibilidade do bebê estar
ajustado a sorrir para obter um sinal de afiliação, abstiveram-se de lhe atribuir
qualquer intenção consciente. Por outro lado, o
estudo sugere que sorriso puro e inocente mesmo é o da mãe,
essa sim, operadora de um controlador que tem como meta compartilhar o sorriso
com seu bebê.
E é aí que entra Diego-San – lembram
do robozinho? Pois os pesquisadores recrutaram estudantes da Universidade da
California para avaliar suas interações com o robô, quando este e a estudante
sorriam juntos ou separados. Constataram que sorrisos
simultâneos levaram as estudantes a avaliarem a interação de forma mais positiva
do que quando apenas um dos dois sorria. Exatamente o que foi previsto pelos
resultados da interação entre mãe e bebê de verdade, no caso da mãe sorrir
primeiro.
E agora, gente? Como fica nossa crença na inocência do sorriso de um
bebezinho nos braços da mãe? Se os pequeninos, ainda que
inconscientemente, já exploram a boa fé da própria mãe, o que dizer dos sorrisos marotos dirigidos ao pai, avó e avô, ao tio, tia, primo, ai, ai, ai, então Homer
Simpson tinha razão?
Querem saber? Desliguem o computador
e olhem bem para a carinha dos bebês mais próximos. Se eles sorrirem, aproveitem o
momento. Antes que alguém demonstre cientificamente que, além de tudo, eles sabem perfeitamente
o que estão a fazer conosco…
Rafael Linden
Esses estudos... Enfim, quem sou eu para discordar?
ResponderExcluirPelo contrário, discordar é fundamento da Ciência!
Excluirabs
R
Muito bom o texto Rafael.
ResponderExcluirAbs
Luiza
Obrigado, Luiza.
Excluirbeijos
R
Gostei bastante.
ResponderExcluirAna Maria
Obrigado, Ana Maria. Volte sempre.
ExcluirR
Muito bom... aliás, o blog inteiro é repleto de textos excelentes. Sempre me deparo com um link pra esse blog e acho incrível... dessa vez resolvi comentar, eu precisava dizer isso ha ha (mesmo sendo burocrático demais essa coisa de comentar em blog =D )
ResponderExcluirAbraço e parabéns pela incrível arte!
Obrigado, José Roberto. Volte sempre!
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