Esta semana completa-se duas décadas da morte de Tom Jobim. O grande compositor
criou melodias inesquecíveis, ao aliar sua formação clássica com uma inspiração
permanente, inquieta, original, coroada com letras arrebatadoras de parceiros
como Vinicius de Moraes, Newton Mendonça, Dolores Duran e outros. Na sua
ausência, a música brasileira empobreceu, incapaz de substituir um gênio
criativo como o mestre Tom.
De seu legado impressionam a riqueza
melódica, a originalidade e a delicadeza das harmonias. Sua ausência é tanto mais sentida quanto mais nos agride a indigência sonora que por aí anda. O leitor
rabugento tem razão quando se tranca na companhia de bem preservadas bolachas
pretas e CDs cuidadosamente escolhidos, componentes de sua coleção raramente
renovada com lançamentos recentes.
Estará vosso cronista não só cronologicamente, mas também, e pior,
metaforicamente velho e intolerante? Esquece-se de que não se pode comparar a contemporaneidade
com tempos idos, já depurados do lixo que sempre polui a cultura do presente? Ou haverá, de fato, alguma tendência macabra de banalização da música
popular?
Pois foi isso que um grupo de cientistas
de Barcelona, liderados por Joan Serrà resolveu investigar, com ferramentas de
processamento de dados e a neutralidade possível. Os pesquisadores usaram
uma base de dados de acesso público chamada The
million song dataset - “conjunto de dados de um milhão de canções” -,
criada por Dan Ellis, da Columbia University. Ellis é um engenheiro e
professor, que se dedica a desenvolver métodos de extração automática da informação contida em sons. Nesta base de dados, ele e seus colegas vem
codificando informação sobre características do som organizado na forma das
melodias de um número enorme de canções populares.
O grupo catalão publicou na revista Scientific Reports sua análise de mais de quatrocentas mil canções compostas nos últimos cinquenta anos, pela
qual concluiu que, embora muitas características musicais tenham permanecido estáveis
ao longo de meio século, os dados demonstram matematicamente uma tendência
progressiva de rarefação de transições de tons, homogeneização de timbres e aumento da proporção de trechos com volume alto, com o passar do tempo. Em
resumo, a música popular ao longo dos últimos cinquenta anos se tornou
progressivamente mais simplória e barulhenta. O rabugento já se levanta da
poltrona, reclinado na qual ouvia placidamente uma sonata de Mozart interpretada por Claudio Arrau, e vocifera contra a platitude deste achado, ora, pipocas, e
precisa de cientista para descobrir o que é óbvio para qualquer um que não seja
surdo? Calma, senhor, perceba que não se trata de comparar Beethoven com Michel
Teló: foram analisadas quatrocentas mil cancões classificadas como música popular. E não é uma opinião – da
qual compartilho com nosso irritadiço e crítico leitor -, e sim uma
demonstração isenta, obtida por critérios estatísticos de absoluta
neutralidade. Se, ainda assim, o rabugento acha pouco, convido-o a procurar na
internet fotos do espanhol Serrà e do inglês Ellis, com o que constatará que
não se trata de vetustos anciãos de cara amarrada. Ao contrário, são mancebos
que parecem perfeitamente capazes de se esbaldar no fim de semana ao som dos
similares locais de beijinhos no ombro…
Então, tudo indica que há, de fato, um
empobrecimento progressivo do conteúdo musical no cancioneiro popular. Mas,
pensando bem, essa trivialização não parece ser restrita à música popular. É bem
possível que estudos semelhantes ao do grupo de Barcelona encontrem, em
outros campos da cultura como a Literatura, Arte Plásticas e até as Ciências,
padrões semelhantes de simplificação acompanhados por aumento do volume com que
os autores apregoam suas próprias obras. Cada vez se faz mais barulho por menos
criatividade e inovação. A cada dia menos se valoriza um Tom Jobim, e mais o
objeto de consumo fácil e imediato. Não há (ainda?) provas científicas de que
esta tendência seja generalizada, muito menos que esta progressão seja intrinsecamente
danosa à história da humanidade. Mas não resta dúvida de que assim se banaliza a cultura, possivelmente a única das criações humanas que não tem
contraindicação.
Talvez por razões semelhantes, outras
coisas também vem se tornando progressivamente triviais. Falta de
educação, desonestidades de todos os tamanhos e matizes, agressões verbais ou
físicas, assassinatos por motivos fúteis. Entre muitas outras obras, o historiador
Eric Hobsbawn publicou livros famosos que retratam períodos sucessivos da
história desde a Revolução Francesa, com os títulos padronizados “A era das
revoluções”, “A era do capital”, “A era dos impérios” e “A era dos extremos”.
Hobsbawn faleceu em 2012, caso contrário poderia se inspirar na falta que nos
faz o Tom Jobim e escrever a continuação da série, agora com o título “A era
da banalização”.
Rafael Linden
Olá Rafael,como está?
ResponderExcluirSou o Alfredo do Portal Teia, temos uma novidade, criamos uma nova rede de informações para divulgar as postagens de nossos amigos e seu post já está lá, passa lá pra ver se ficou bom, pode enviar links diretamente lá a partir de agora.
Tenha um ótimo fim de ano meu amigo!
Obrigado, Alfredo.
ExcluirSó que meu acesso via Mac com Safari ou Firefox está dando erro, sem acesso ao comentário para inserção de posts. Deve ser fácil de corrigir.
Parabéns pela nova iniciativa, a estética do portal é a melhor que tenho visto em agregadores
abraços
Rafael
Muito boa reflexão. Essa nova Era assusta, realmente.
ResponderExcluirÉ verdade. Obrigado pela visita, Ana.
ExcluirRafael
Fantástico!!!!!!!
ResponderExcluirObrigado!
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