Não é nada
disso, madame. Este blogue não publica histórias de terror. É apenas um chamariz
adequado para a crônica de hoje, que trata de uma novidade meio desagradável
para uma certa realeza. E a coroa do título, com todo o respeito, não é a
gentil leitora, nem a vovó, nem a dona Mariquinhas do sexto andar. A coroa, no
caso, é a britânica. E o tal esqueleto é, nada mais nada menos, do que a
estarrecedora revelação de um adultério.
Como disse,
senhora? Hoje em dia revelação de adultério dificilmente é estarrecedora? Pois,
pasme, trata-se de um chifre de setecentos anos. Mas só agora a Ciência traz a
público a prova material de que um membro da linhagem da monarquia britânica
era um bastardo, não apenas metafórico, mas genético mesmo.
Há algum
tempo foi descoberto um esqueleto enterrado debaixo de um estacionamento na
cidade inglesa de Leicester, e identificado como pertencente ao rei Ricardo
III. Este monarca reinou por apenas dois anos, de 1483 a 1485, durante os quais construiu uma
fama diabólica, e foi morto em batalha por seu inimigo Henry Tudor, o qual com
isso abiscoitou o trono. Quando da descoberta arqueológica, foi noticiado que
os cientistas tinham confirmado a identidade de Ricardo III pelo exame do DNA
extraído das mitocôndrias dos restos mortais, comparado ao DNA das mitocôdrias
de uma descendente de Anne de York, irmã do rei Ricardo.
Então, há
poucos dias a revista Nature
Communications publicou um artigo assinado por cientistas de vários países
além dos pesquisadores da Universidade de Leicester, contendo a descrição do
estudo feito com todo o DNA recuperado do esqueleto, a análise genética e os cálculos
dos cientistas de que a chance daquele esqueleto não ser de Ricardo III é menor
do que seis em um milhão. Ou seja, é praticamente impossível que a
identificação seja falsa. Vosso amado cronista não é versado em Genética, mas
tem um punhado de amigos gaúchos com os quais vem aos poucos aprendendo alguma
coisa e adorou a leitura, principalmente pela forma como a pesquisa foi
relacionada à genealogia da família real da Inglaterra.
Na verdade,
a história daquela ilha velha não é das mais edificantes, recheada de fratricídios e outras tragédias movidas
pela ânsia de poder típica da aristocracia. Mas ninguém que passe algum tempo por
lá consegue ficar indiferente às curiosidades daquele povo excêntrico. E, ora
vejam, nesse mesmo artigo a Genética, além de bater um recorde ao confirmar a
identidade de uma pessoa que se encontrava desaparecida há 527 anos – nem os
roteiristas de C.S.I. tinham até agora inventado uma história assim - , ainda
nos brindou com a revelação de um adultério.
Não, senhora, não é gozação.
Aqui no telhado de fato mentimos um pouquinho, afinal esse blogue foi criado para
escrever ficção. Mas hoje trata-se de pura verdade. A respeitável publicação
científica resvalou para o estilo mundano da revista Caras e anunciou para o mundo que houve um bastardo na linhagem
real descendente do monarca Eduardo III, que reinou no século XIV e é o trisavô
de Ricardo III.
Os
cientistas se valeram de certas regras da Genética. Da mesma forma que a
linhagem materna pode ser confirmada pelo exame do DNA das mitocôndrias, que
são herdadas sempre da mãe, a linhagem paterna pode ser confirmada pelo exame de uma porção invariante do cromossomo Y, a qual passa
sempre de pai para filho homem. Pois não é que, ao comparar as características
do DNA de Ricardo III com o DNA correspondente de descendentes
da família real, os pesquisadores descobriram que um desses descendentes tem o cromossomo
Y diferente dos demais? Pela análise genealógica, os cientistas concluiram que
essa alteração é consequência de um evento de falsa paternidade, ocorrido em
algum momento ao longo das dezenove gerações que sucederam o rei Eduardo III
desde o século XIV.
Nosso leitor
rabugento, sempre alerta, dá de ombros e comenta com seus botões que isso
também não é nenhuma novidade, porque a história britânica já registrava que
dois outros filhos nascidos fora dos sagrados laços do matrimônio foram
legitimados entre os séculos XIV e XVIII. Mas no caso da descoberta atual, o
rabo da proverbial porca torce um pouco além do habitual. Pois o já sobejamente
celebrado rei Eduardo III teve vários filhos, um dos quais, Edmundo, foi o
bisavô de Ricardo III. Mas a fofoca da época era de que Eduardo III sequer
estivera presente ao nascimento de outro rebento, chamado John, porque esse não
seria seu filho e sim, quem diria, de um açougueiro belga…
Ah, agora
tenho a atenção de todos, né? Pois saibam que, se de fato John não era filho de
Eduardo III, então seus descendentes, que constituiram a dinastia Tudor, não
teriam direito ao trono britânico! Por mera sorte Elizabeth II, hoje rainha da
Inglaterra, é descendente de outro dos filhos de Eduardo III e não do pobre
John que, dizem, se enfurecia toda vez que alguém insinuava ser ele um
bastardo.
Isso tudo
para mostrar para nossos fiéis leitores que a Genética não só é interessante e
útil para a Biologia e a Medicina, mas também pode transformar uma revista com
a marca da poderosa Nature em
sucedânea de um dos maiores sucessos da imprensa brasileira, os “Mexericos da
Candinha”, coluna de fofocas da década de 1950, escrita semanalmente para a Revista do Rádio pelo jornalista Borelli
Filho, e que revelou inúmeros esqueletos dos armários das celebridades da época.
Rafael Linden
Gostei muito da crônica de hoje. E, como geneticista, gosto de ver como os genes podem contar as história do passado. Eles (os genes) sim não mentem jamais. Maria Luiza
ResponderExcluirObrigado, Luiza. Você viu a menção aos amigos gaúchos, né?
Excluirbjs
Rafael
Sim, vi e fiquei orgulhosa.
ExcluirBjs
Luiza
:-)
ExcluirMuito bom... Sempre temos mais novidades na História da Humanidade...
ResponderExcluirÉ só procurar...
ExcluirObrigado pela visita, Ana.
Rafael
Oi Rafael, divulguei seu link no Turbonauta, só fiquei na dúvida se coloquei a imagem correta, qualquer coisa vc me fala, té mais!
ResponderExcluirObrigado, Alfredo. A ilustração está ótima.
ExcluirAbraços
Rafael
Sensacional.....
ResponderExcluir:-)
ExcluirShowwwwww....
ResponderExcluir:-)
ExcluirObrigado, Anônimo!