Se a frase aí
de cima lembra uma bola de couro “alçando voo para pousar suavemente no fundo
das redes”, então o leitor já passou dos quarenta anos e, se não gosta mais, já
gostou de futebol. Ou não? Então explico. O título da crônica é o que muitos
achavam ser, mas não é, o nome do samba que tocava nas sessões de cinema antes da
atração principal, embalando um documentário em preto e branco que contava a
história do mais recente clássico jogado no Maracanã. O locutor, com a voz solene
e impostada da época, era Luis Jatobá, mais tarde Cid Moreira. A música, interpretada
por Waldir Calmon e seu conjunto, foi composta em 1956 por Luis Bandeira e se
chama “Na cadência do samba”, o mesmo nome de uma composição de 1962 de autoria
de Paulo Gesta e Ataulfo Alves. Já as imagens, é claro, eram do Canal 100, o
cinejornal criado em 1959 por Carlinhos Niemeyer, produtor cinematográfico,
flamenguista e membro fundador do Clube dos Cafajestes. E primo do grande arquiteto
Oscar Niemeyer.
E para quem
chegava no início da sessão a fim de não perder os closes do drible do
Garrincha, do passe do Gerson, do toque sutil do Pelé, da rainha da Inglaterra
na Tribuna de Honra ou, o melhor de tudo, da cara dos torcedores escolhidos a
dedo entre os mais feios, gaiatos ou furiosos, a boa notícia é que a ESPN anuncia
a volta do Canal 100. A vinheta é meio misteriosa, mas presumo que passarão a
exibir a coleção de filmes do acervo, que chegam a setenta mil
minutos de imagens segundo reza a página oficial criada por Alexandre Niemeyer,
filho de Carlinhos. Isso tudo, no entanto, compreende todas as edições do
cinejornal inteiro. Este começava com os eventos da semana, os quais iam da
inauguração de Brasilia à eleição da miss Brasil, dos comícios do Lacerda aos
bailes de carnaval do hotel Copacabana Palace, lançamentos de filmes, livros e
foguetes. Mas o noticiário político, cultural e mundano, que o historiador Paulo Roberto Maia considerou condizente com o projeto de propaganda política da ditadura militar, servia apenas como prelúdio para a parte
final. A mais aguardada. A do futebol.
A
teleobjetiva do cinegrafista Francisco Torturra, tricolor convicto e cunhado de
Nelson Rodrigues, que dele dizia ser sua lente mais inteligente do que o olho
humano, trazia imagens espetaculares do campo e hilariantes das arquibancadas e
da geral do Maracanã. Nesta última, cujos ingressos eram os mais baratos, se
encontravam os tipos mais engraçados ou curiosos, torcedores fanáticos que gastavam
seus últimos caraminguás para se aproximar dos seus ídolos e, se possível, ao
final do jogo pular o fosso e comemorar no gramado a conquista do campeonato
carioca ou, simplesmente, uma vitória sobre o Madureira na terceira rodada.
Valia tudo por uma felicidadezinha no domingo.
Infelizmente
o Canal 100 foi assassinado em 1986 por um decreto do governo federal que, no
ano anterior, proibira a propaganda comercial em cinejornais, o que
inviabilizou a produção. Uma pena. Mas se a ESPN fizer um bom trabalho, quem nunca
viu o Canal 100 talvez se pergunte por que hoje em dia não se faz mais
reportagens esportivas como aquelas. E quem viu naqueles documentários as
imagens de jogos antológicos, como o Brasil x Paraguai de 1969, que botou cento
e oitenta mil torcedores (este que vos fala, inclusive) no Maraca, vai
estranhar que atualmente se ache ótimo quando uma final de campeonato brasileiro
é assistida in loco por meros setenta
mil torcedores.
Tá bom, prevenção
de acidentes. Concordo plenamente. Mas desconfio que se o estádio tivesse cento
e oitenta mil lugares, todos sentadinhos em plena segurança, nem assim iria
lotar. Creio que o Canal 100 era um dos grandes motivos pelos quais o carioca
tinha vontade de ir ao Maracanã. Afinal, quem sabe se depois da reportagem
sobre o baile do Copa e, com todo o respeito, das pernocas da miss Brasil, não
seria você, caro leitor, a exibir as bochechas, em preto e branco, gritando
“goláááááçooo!”, “falta!!”, “juiz ladrão!!!”. Ou então, declamando um daqueles
palavrões épicos que apareciam por inteiro, em câmera lenta, na boca de
arquibaldos e geraldinos sempre que o intrépido árbitro Armando Marques, certo ou errado, marcava
um pênalti contra o Flamengo.
Rafael Linden
Grande Rafael . Adorei. Comemorei meus 70.Lembro perfeitamente.
ResponderExcluirParabéns pelos 70, obrigado pelo comentário. Volte sempre.
ExcluirRafael
Cara, o que me chamou atenção, além da imensa quantidade de informações e da forma com que foram passadas, claro, foi o fato de que todos esses caras citados eram, de uma certa forma, interligados. A mídia sempre foi assim!!!
ResponderExcluirNo mais, o texto está excepcional!
Mundo pequeno...
ExcluirShow de bola...
ResponderExcluirObrigado, Adenilson. Volte sempre
ExcluirR
Nessa época o futebol era mais empolgante, mais bonito de se vê. Eu acho!
ResponderExcluirConcordo, Anônimo.
ResponderExcluirR