Meus
numerosos leitores, e não tenho dedos que cheguem para contá-los, já se
acostumaram com os títulos escalafobéticos que vez por outra assolam este
modesto blog. E haja paciência para descobrir a intenção do cronista ao
encabeçar seu mais recente delírio com tal disparate. Mesmo assim lá vai uma historinha
que, eventualmente, explica o próprio título.
Como sabem
alguns, acreditam outros e duvidam muitos, o abaixo-assinado é, de profissão,
cientista. E, por isso, escrevo estas linhas no avião de volta de Israel, onde
participei de um simpósio no Instituto Weizmann de Ciência (usemos a sigla WIS,
pela qual é mais conhecido por aí). São impressões de viagem, mas não vou aborrece-los
mais que o necessário com minúcias, muito menos com a fieira de fotografias que
as máquinas digitais oferecem sem culpa ou risco de extravio na loja de
revelação.
O simpósio é
da série WIS-Brasil, a qual reúne cientistas de lá e de instituições
brasileiras. O tema, desta vez, foi sinalização celular. Daqui fomos sete
cientistas, sendo três mulheres e, do total, apenas três judeus. Tudo politicamente
correto, para quem quer saber e quem não está nem aí.
O WIS é um
dos centros de pesquisa mais respeitados do planeta. Cientistas israelenses podem
participar das competições por apoio financeiro oferecido pela Comunidade
Européia - ou no que havia antes do continente se meter na atual enrrascada.
Mas, dizia eu, uma evidência de que o WIS está entre as melhores instituições
científicas é que Israel lidera o ranking dos ganhadores de financiamento
europeu e o WIS leva a maior parte.
O instituto
fica no que se pode chamar de “campus dos sonhos de um professor da UFRJ”. Não
porque minha egrégia alma mater, na
mui pitoresca e aprazível ilha do Fundão, não seja uma maravilha arquitetônica,
urbanística, ecológica, florestal e funcional, longe de mim semelhante isso…Mas
porque, vejam só, o WIS é totalmente arborizado, com espécies do mundo inteiro plantadas ao longo de suas
ruas; os prédios são alcançáveis a pé de qualquer ponto do instituto e estão em
excelente estado de conservação - não só os que acabaram de ser construídos,
mas até o prédio no qual o químico Chaim Weizmann fundou, em 1934, o Instituto
Daniel Sieff de Pesquisas, mais tarde rebatizado com seu nome; tem mosquito, mas
não tem dengue! Pela área que ocupa, sua população é limitada a duas mil e
quinhentas pessoas, das quais cerca de 300 cientistas senior, 250 técnicos, uns
1.200 estudantes de pós-graduação e pós-doutores e aproximadamente 800
profissionais de apoio.
Chaim
Weizmann era cidadão inglês e um dos líderes do sionismo, a doutrina do retorno
dos judeus à região que hoje contém o Estado de Israel. Com talento para
inovação, Weizmann inventou um método para obter acetona de bactérias, muito
apreciado pelos seus compatriotas à época da primeira guerra mundial. Diz-se
que a importância desta contribuição biotecnológica ao esforço de guerra foi a
principal razão da chamada Declaração de Balfour, pela qual em 1917 a Inglaterra
reservou, para os judeus, parte do protetorado que conquistariam dos turcos
naquele conflito. Esta, pelo menos é a versão que ouvi de um cientista do
próprio WIS. Foi a partir daí que se desenrolaram os fatos políticos que
culminaram, em 1948, na fundação do Estado de Israel. E agora, muita atenção,
pois não só o cronista que vos escreve não discutirá neste blog a política do
Oriente Médio, como não abrigará tal debate, usando para isto seus poderes
ditatorias sob o argumento plenamente democrático de que o blog é meu e ninguém
tasca.
Excluída a
política, prossigamos com só mais alguns fatos e um mínimo de literatura. Chaim
Weizmann acabou por se tornar o primeiro Presidente de Israel. Note-se que, no
regime parlamentarista lá vigente, poderoso mesmo é o Primeiro-Ministro,
enquanto a Presidência tem funções mais cerimoniais do que executivas. Mas o importante
é que, enquanto a maior parte dos colonos judeus se instalou no campo e partiu
para a agricultura, Weizmann tinha se decidido pela Ciência. Para isso, recrutou
outros cientistas de vários lugares, inclusive de Israel.
E, assim, lá foram parar os irmãos Aharon e Ephraim Katzir.
Aharon era especialista em química de polímeros, e Weizmann mandou construir para
ele um novo prédio. E Ephraim, um biofísico, também acabou por ganhar para sua
especialidade um prédio. Os três prédios estão lá, de pé, em excelente estado
de conservação e em pleno uso, agora por outros departamentos do WIS. Aharon,
tragicamente, foi morto em um atentado terrorista no Aeroporto de Tel Aviv.
Ephraim, porém, foi eleito Presidente de Israel assim como Weizmann, ou seja, dois
de um total de nove até agora. Por alguma razão lá eles apreciam muito os seus
cientistas.
E daí,
pergunta o mesmo leitor de sempre, exasperado porque o cronista não chega onde
devia chegar, isto é, no significado do título, do título, do tí-tu-lo!
Novamente peço vênia, mas nesse caso justifico-me por estar em pleno voo, sem
nada mais para fazer de útil, tá? Ainda assim, a “deixa” de que o título precisava
era aquela mesmo. Dizia eu, os israelenses se orgulham dos seus cientistas que,
há quase oitenta anos, se esforçam por produzir conhecimento e inovação lá
mesmo.
E, embora
possa parecer outra coisa, esta crônica trata de orgulho. E foi inspirada no
fato do WIS ficar em Rehovot, uma cidade no centro do país, a cerca de meia
hora da ultramoderna Tel-Aviv, uma hora da milenar Jerusalém e quatro horas do
extremo sul de Israel. Isso de carro, porque o país inteiro é do tamanho de
Sergipe. Rehovot tem pouco mais de 100 mil habitantes, entre os quais uns 30
mil imigrantes. Desses, mais da metade veio da antiga União Soviética, o que
explica os vários canais de TV a cabo em russo ou com legendas em alfabeto
cirílico. A cidade abriga a Faculdade de Agricultura, Alimentos e Meio Ambiente
da Universidade de Jerusalém e o Parque Tecnológico Tamar e sua principal
avenida é ladeada por laranjeiras.
Há algumas décadas, era para participar da colheita
das laranjas nos kibutzim (comunidades
agrícolas) que muitos jovens judeus iam, pela primeira vez, a Israel. Os
cítricos ainda são importantes na agricultura israelense apesar de, nos últimos
anos, terem perdido o mercado internacional para a Espanha. Diga-se de
passagem, a logomarca do WIS é uma laranjeira.
Rehovot se orgulha de ser, ao mesmo tempo, um polo
irradiador de ciência, de educação e cultura e…de frutas cítricas. E, por essa
razão, seu emblema tem os desenhos de um microscópio, um livro e duas laranjas.
Alguns de vocês podem achar que perderam seu tempo lendo isso, mas eu considero
admirável gente que desenha um emblema desses, de tanto que se orgulha de, numa
região inóspita e vivendo há décadas em permanente estado de guerra, produzir
uma parte significativa da melhor Ciência do planeta, venerar a educação,
preservar e ampliar a cultura e ainda arrancar daquele solo aquelas laranjas e muitos
outros produtos agrícolas que só muito suor e muito amor à natureza conseguem
extrair das vizinhanças de dois desertos legítimos, com camelos, beduínos,
tempestades de areia e talvez menos água do que choveu no Rio de Janeiro no mes
passado.
Tomara que, algum dia, aqui no Brasil os motivos mais
importantes de nosso orgulho nacional sejam semelhantes aos da cidade de
Rehovot, a ponto de, mesmo que só em pensamento, tornarem-se o nosso emblema.
Excelente, Rafael. Quem sabe um dia...
ResponderExcluirQuem sabe...
Excluirabraços
R
E o nosso querido Fundão, no momento, está sendo mais deflorestado que outra coisa, né? Quanto ao resto da crônica, maravilhosa, as usual.
ResponderExcluirÉ a maravilha florestal em pleno progresso...
ExcluirObrigado
bjs
R
Linda observação Rafael querido. Deve ter sido muito bom estar lá.
ResponderExcluirOlhando para o Brasil, diante de fatos da atualidade surgem tantos "tomara"...
Beijo grande
CG
Tomara que alguns se realizem...
ExcluirObrigado, beijos
R
Que delícia de crônica! E que orguilho!!!!! Amei a frase "por alguma razão lá eles apreciam muito os seus cientistas..." A sua cara, Rafofo! Quem sabe esse comentário finalmente chega a vocÊ?
ResponderExcluirChegou com tudo a que tem direito! Será que você ensina o caminho das pedras para meu confrade predileto?
ExcluirObrigado pelo comentário, querida.
Beijos
Rafael
Foi uma das lembranças melhores que israel me deixou quando lá estive há muitos e muitos anos atras. Como eles conseguiram dar vida ao deserto. Combinar pedras com árvores e construir um instituto de pesquisa belissimo! Obrigada por me fazer sorrir mais uma vez Rafa!
ResponderExcluirMuito obrigado, querida.
Excluirbeijos
Rafael
Caro amigo, esse comentário talvez fuja ao assunto, mas creio que ainda não vi alguém usar tão bem pontuação. O seu texto fica perfeito e super insinuante, algo prazeroso e envolvente. Parabéns pela inenarrável arte.
ResponderExcluirAbraço!
Muito obrigado, Lucas. Volte sempre!
Excluirabraços
Rafael
Showwwww
ResponderExcluirObrigado, volte sempre!
ExcluirR
Rafael,
ResponderExcluirObrigada pelo texto fluente reunindo história da ciência, história geo-política e o nosso cotidiano universitário, qualquer que seja o estado brasileiro.
Vera
Obrigado pelo comentário, Vera. Volte sempre,
Excluirbjs
R