“Ô, me dá
meu boné que eu já vou embora, porque brincadeira tem hora…” cantava Clementina
de Jesus, no disco “Marinheiro Só” de 1973, a composição de Oswaldo Vitalino de
Oliveira - o Padeirinho da Mangueira.
Volta e meia aparecia um boné no meio artístico, como no programa humorístico
“Me dá meu boné” da Radio Mayrink Veiga, comandado por Chico Anysio antes dele arrumar
uma ponta na TV Rio e, daí por diante, tornar-se o que foi. Sem falar na
expressão “pedir o boné”, comum mesmo para quem nunca o usou, muito
menos na hora de largar o emprego por conta própria.
Agora, em todo lugar se usa boné como
acessório fashion, mas poucos se dão
conta de que esse “item de vestuário” existe há quase um século e meio, desde
que jogadores de beisebol começaram a usar chapéus com viseira para proteger os
olhos da claridade. Aos poucos o modelito foi ficando parecido com o que hoje
se vende no comércio e até vosso amado cronista usa um para se proteger do sol
na careca, o qual – o boné, não o careca - é fabricado dum jeito que, dizem, bloqueia
as perigosas radiações ultravioleta.
Há quem abuse da empáfia, repetindo o
bordão “o que vem de baixo não me atinge”, mas não conheço quem se arrisque a
declarar imunidade contra o que vem de cima, como as coisas que às vezes
despencam do céu sem aviso. Se a gentil leitora tiver a pachorra de consultar a
Internet, vai achar relatos escabrosos dos mais variados objetos caídos do céu tais
como minhocas, carne crua, cocô e até uma vaca inteirinha. De minhocas um bom
boné ofereceria uma certa proteção, já de uma vaca...Há pouco, a humanidade
passou pela angustiosa expectativa de saber onde cairia a estação espacial
chinesa Tiangong-1, ao final de sua vida útil no espaço. Felizmente, a
geringonça despedaçou-se ao re-entrar na atmosfera terrestre e seus fragmentos
cairam no mar sem provocar vítimas humanas, embora o mesmo não se possa
garantir para peixes e outros animais marinhos.
Não é para menos que os geniais
Albert Uderzo e René Goscinny, criadores dos quadrinhos de Asterix, descreveram
o personagem Abracurcix, chefe da aldeia gaulesa onde morava o herói das
historinhas, como um respeitável e corajoso líder que, no entanto, só tinha
medo de uma coisa: que o céu caísse sobre sua cabeça. Pois agora os cientistas
adicionaram mais uma preocupação ao valente Abracurcix e todos que se encontram
pelas ruas, absortos nos seus afazeres cotidianos, passeando de braço dado com
seu par ou correndo de cachorro bravo. Trata-se da chuva de virus. Façamos uma
pequena pausa para o rabugento correr para o quarto, tirar do armário a capa de
chuva com capuz, vesti-la e aninhar-se na espreguiçadeira encolhido em posição
fetal debaixo de um guarda-chuva. Que diabo é isso? Está chovendo virus? Por
que não saiu no jornal? Pois saiu, pelo menos no New York Times e, apesar da expectativa de uma saraivada de
mensagens enviadas pelo Twitter por vocês-sabem-quem, não é “fêiquiníus”. É
isso mesmo. Mas sosseguem, por mais que pareça a notícia não é alarmante.
O jornal americano, na verdade, dá
conta de um trabalho científico legítimo que foi publicado, na revista da Sociedade
Internacional de Ecologia Microbiana, por um grupo de cientistas liderado pela
espanhola Isabel Reche, da Universidade de Granada, e pelo canadense Curtis
Suttle, da Universidade da Columbia Britânica. Os pesquisadores coletaram
material depositado em filtros colocados em recipientes que ficaram expostos
durante cerca de dois anos, no topo de uma montanha no sul da Espanha. A cada
uma ou duas semanas o material era armazenado, novos filtros substituiam os
usados e, ao final, tudo foi examinado em laboratórios dotados de equipamento e
técnicas avançadas.
Os estudiosos queriam ajudar a
entender a dispersão a longas distâncias de aerosóis contendo bactérias e
virus, como resultado de correntes de ar provenientes do deserto do Saara ou do
Oceano Atlântico. Foram detectados microorganismos carreados pelos ventos,
grudados em poeira desértica ou em matéria orgânica proveniente do oceano,
mostrando que bactérias e virus “viajam” muito pela atmosfera antes de cair no
solo. Esses resultados sugerem, por exemplo, uma razão plausível pela qual
virus com características genéticas muito parecidas são encontrados em regiões
do globo terrestre muito distantes umas das outras. Mas o que mais chamou a
atenção dos jornalistas foi a quantidade de virus que “caiu do céu” nos
recipientes usados para a coleta. Pasme a gentil leitora, foi da ordem de
muitos bilhões de partículas virais por metro quadrado por dia! Ou seja,
enquanto um leitor anônimo se deliciava com esta crônica, comodamente refestelado
em sua cadeira de praia no terraço do prédio, à sua volta cairam alguns bilhões
de virus, parte dos quais sobre sua respeitável careca.
Acalmai-vos, porém, não há motivo
para pânico. O trabalho não identificou os tipos de virus que andam a cair por
aí, mas certamente uma fração ínfima deles é capaz de provocar qualquer
transtorno para seres humanos, que dirá doenças com as quais nossa numerosa
e respeitabilíssima platéia deva se preocupar. Além do que essa chuva de virus está
por aí há muito, muito, muito tempo e cá estamos nós, alegres e felizes
(tomara!) em que pese as agruras que existem pelo mundo. O rabugento pode
fechar o guarda-chuva, tirar a capa impermeável e voltar a seus afazeres.
Também não precisa correr às boas lojas do ramo perguntando, ansioso, se por
acaso já chegaram os bonés anti-virus, porque brincadeira tem hora.
Rafael Linden
Interessante junção de ideias! Feliz em receber tuas crônicas novamente!
ResponderExcluirObrigado, Anônimo. Volte sempre!
ExcluirCaríssimo cientista , após leitura de tão interessante assunto, tenho que refazer meus conceitos: lembro de um Congresso de Pneumologia em que esta que vos fala foi , em que um renomado Professor (medicina Belo Horizonte) comentava em uma mesa redonda: " virus e bactérias não caem em gotas de chuva". Descubro agora que caem !!!!!! Um abraço desta que vos fala , Jane David!
ExcluirE como caem! 😀
ExcluirObrigado pela visita, Jane! Bjs
Tá ótima Rafa! Quem sabe as autoridades sanitárias possam tirar proveito dessa descoberta e passar a monitorar o tráfego aéreo de vírus e bactérias rsrs.
ResponderExcluirE treinar controladores de voo para esta nova modalidade...
Excluir:-)