E lá vai a gentil leitora aos trambolhões,
com o chinelo na mão atrás do Juquinha, ainda que esse jure de pés juntos que
se trata de uma descoberta científica e não uma grosseria escatológica. Caso
contrário ele não teria dito alegremente esta frase para a avó, que ipso facto jaz desmaiada no sofá. Pasmem,
o guri pode ser um belo dum canalha, mas desta vez não tem culpa. É isso mesmo.
Homessa! Como foi que esta pérola entrou para os…registros – registros, sim,
melhor do que a alternativa – da Ciência contemporânea?
Trata-se, mais uma vez, da velha e
boa Física. Um “buraco negro” – black
hole na língua do quatrocentão Shakespeare – é um corpo celeste no qual a
força da gravidade é tão grande que suga para dentro de si tudo o que existe ao
seu redor, inclusive a luz. Por isso não pode ser visualizado, e só se consegue
detectá-lo pelos efeitos esdrúxulos que exerce sobre qualquer coisa na
vizinhança, por exemplo uma estrela. Esse conceito é estudado por físicos
teóricos através de modelos matemáticos complexíssimos.
A obssessão capilar nesse campo de
pesquisa começou na década de 1970, quando o físico norteamericano John Wheeler
escreveu, em um artigo publicado na revista Physics
Today, que “buracos negros não têm cabelo”. Ele queria dizer que esses
corpos celestes tinham características muito bem definidas, determinadas simplesmente
pela sua massa, pelo chamado “momento angular total” - uma característica do
movimento – e, talvez, também pela sua carga elétrica. Todas essas propriedades
são intrínsecas ao buraco negro, ao contrário do “cabelo”, que seria visível
como o elegantíssimo penteado da gentil leitora, mesmo descabelada pela
perseguição ao inocente Juquinha.
Nem todo mundo concordava com essa idéia.
De cara, a frase de Wheeler foi considerada obscena pelo genial físico Richard
Feynman que, entre outras coisas, passou duas temporadas trabalhando e dando
aulas no Brasil e aprendeu a batucar na frigideira na bateria de uma Escola de
Samba. Mais importante, uma galera de pesquisadores da área saiu mundo afora
procurando cabelo, não em ovo, mas em buracos negros. E não é que acharam? Entre
eles, dois cientistas da Universidade de Aveiro, em Portugal, que em 2014
publicaram um artigo na prestigiosa revista Physical
Review Letters, intitulado literalmente “Buracos negros de Kerr com cabelo
escalar”, referindo-se aos trabalhos do eminente cientista neozelandês Roy Kerr.
Não é surpresa que tamanha informalidade, de certa forma, acabe dando origem à inocência
com que o Juquinha passou a comentar essas coisas com a própria avó. É a mesma
candidez com que os editores da revista Superinteressante,
em Portugal, celebraram maliciosamente a descoberta de seus compatriotas com
uma reportagem intitulada “Cientistas portugueses defendem que buracos negros
têm cabelo”.
E o que vem a ser cabelo de buraco
negro? O apelido representa propriedades inéditas de certos tipos de buracos
negros diferentes daqueles que foram propostos ao longo das últimas décadas. A
teoria é complicada pra chuchu, mas poderá vir a ser comprovada, ou não, no
futuro com novas observações do comportamento de estrelas ou gases nas
vizinhanças de buracos negros. Esse campo, é claro, tem também o dedo do
notório cientista Stephen Hawking. Ele havia, há algum tempo, proposto que a
evaporação de buracos negros era capaz de destruir informação. Como se não
bastasse tudo o mais, buracos negros poderiam evaporar sem deixar vestígios!
Entretanto, recentemente Hawking e dois outros cientistas publicaram, também na
Physical Review Letters, um novo
artigo em que reavaliam suas premissas e, agora, apresentam indícios do que
chamam de “cabelo macio”, componentes que podem conter a informação que
supostamente seria perdida quando um buraco negro evaporasse.
A proposta de sumiço de informação era
um escândalo por ser incompatível com leis da Física Quântica. Leitores de todos os cantos do planeta
murmuram que não é nada demais comparado ao que certos políticos, empresários e
outros potentados de países que não convém nomear fazem, ou tentam fazer, com
outras tantas leis. Mas os cálculos novos parecem explicar melhor os buracos
negros e – ufa! – aproximam-se de um conjunto de conhecimento mais coerente,
sem violações de leis fundamentais da Física. Ou seja, foi mesmo o progresso da
Ciência que levou o Juquinha a se encantar com a descoberta de que buraco negro
tem cabelo macio, tal qual as longas e ondulantes madeixas de nossa mais gentil
leitora, que ajudam nosso Universo a ficar mais belo.
Tá certo? Então, alguém aí poderia,
por favor, trazer para a avó do Juquinha uma aguinha com açúcar e explicar essa
coisa toda para a respeitável senhorinha?
Rafael Linden
Texto incrível, sensacional!!!!
ResponderExcluirObrigado, Rodrigo. Volte sempre!
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