Perdoe-nos a gentil leitora, mas de
vez em quando baixa aqui o espírito do marqueteiro e, malgrado nossa educação irretocável
e pudicícia monástica, não logramos resistir ao impulso visceral – sem
trocadilho – de exibir um título destes no alto da crônica. Convenhamos, a multidão
que frequenta este honorável blogue já deve estar ardendo de curiosidade e, portanto,
estão todos convidados a navegar pelas surpresas do mundo em que vivemos, temperadas
com uma pitada de divulgação científica.
Comecemos lembrando a lição de
um insigne historiador, segundo a qual, no tempo em que predominavam as
comunidades rurais a flatulência explícita era festejada por sinalizar o bom desempenho
das funções orgânicas. Eca, sim senhora, mas tem lá sua lógica. O mesmo autor escreveu
sobre a transição daquela época, quando o pum era bem-vindo, para a modernidade
em que tal comportamento é considerado grosseiro. Daí passamos ao episódio no
qual um internauta produziu uma video montagem, sugerindo que um candidato à presidência dessa nossa pitoresca república teria soltado um pum durante uma
entrevista na televisão. O evento foi denunciado pelo gesto do
entrevistador, ao tapar discretamente o nariz enquanto outra jornalista esforçava-se
por manter uma cara de paisagem. Diz-se que o candidato – um pastor
evangélico, vejam vocês – admitiu depois da entrevista que de fato
soltara um pum, garantindo no entanto ter sido silencioso e…inodoro.
Com isso chegamos ao tema de hoje: o olfato,
esse nobre sentido que nos permite tanto desfrutar do “chêrinho gotôôôôso!” do cangote
do bebê recém-saído do banho, quanto detectar um pum no elevador, sala de
reuniões ou escritório. Esse, em geral, é obra que paira no ambiente sem
que se descubra de onde veio, muito menos o autor da façanha. Alvíssaras, esse anonimato parece estar com os dias contados.
Não perguntem a razão mas, ao garimpar
assuntos para o blogue, deparamo-nos com um relato jornalístico de que
cientistas chineses criaram um robô que identifica o autor de um pum. A reportagem
dizia ainda que os pesquisadores receberam o “Prêmio Abacaxi”, concedido às
invenções mais esdrúxulas do mundo. Muitos leitores ficaram satisfeitos e entretidos com tamanha bizarrice. Porém, sempre haverá um doido que sai atrás da
origem de uma notícia dessas e acaba desvendando fatos interessantes.
Para começar, apuramos que o texto traduzia uma reportagem de um tablóide britânico notório por seu despudorado sensacionalismo, o Daily
Mirror, o qual chamava a invenção chinesa literalmente de “detetor de pum”. Como, infelizmente, dentre as
incontáveis qualidades deste vosso cronista não consta a fluência em línguas
orientais, não nos foi possível confirmar a atribuição da notícia original a um sítio
de notícias chinês, além do que uma busca na versão em inglês daquele portal não recuperou
nenhum item que incluisse “detetor de pum”, sequer “detetor de odor”. Já uma
reportagem semelhante no portal The
Register, especializado em novidades na área de Ciência e Tecnologia, citou
a mídia oficial chinesa como fonte da declaração de que a invenção “não apenas
soluciona o mistério de quem soltou um pum, mas oferece um meio de localizar a
origem de qualquer odor” (sic). Ficamos aqui a imaginar o Camarada Mao Tse-Tung declarando
isso, solenemente, em um discurso na Praça da Paz Celestial…
Intrigado com tamanha ênfase no pum, prosseguimos na busca da fonte original, que é um relato publicado em 2011 na revista científica Autonomous Robot. E, embora pulando a matematicorréia
desenfreada que descreve o algoritmo usado para controlar a ação do robô, foi
fácil entender as conclusões dos pesquisadores quanto à função do equipamento. O que eles demostraram foi, na verdade, que sua tecnologia forneceu ao
robô uma alta capacidade de localizar a fonte de um odor. Só que o cheiro era
produzido pela vaporização de álcool etílico. Isso mesmo, galera, o mesmo que abrilhanta
a vossa cachacinha semanal. E, apesar da equipe ser formada por quatro
engenheiros chineses não consta menção à emissão de sequer um único pum por parte dos autores ou mesmo de outros colaboradores
anônimos do projeto, independente da quantidade de repolho contido no chop suey servido no restaurante da
Escola de Engenharia Elétrica e Automação da Universidade de Tianjin.
O bacana dessa história toda é que o
esforço para desenvolver robôs capazes de identificar e localizar odores tem
aplicações importantíssimas, tais como o combate ao tráfico de drogas, a
detecção de vazamentos de gases tóxicos, ou a localização de sobreviventes em
sítios de desabamentos, tarefas essas hoje em dia executadas com o auxílio de
cães farejadores. Recentemente, cientistas conseguiram treinar abelhas para
detectar substâncias tóxicas, o que poderá, em breve, poupar os cães de certos
riscos. Mas, acima de tudo, esse campo da robótica é um primor de aplicação do
conhecimento biológico, pois muitas das tecnologias que vem sendo testadas são
baseadas nos complexos mecanismos de detecção e localização de odores por insetos e
outros animais, que os usam na Natureza para buscar alimento, localizar parceiros, trocar informações e fugir de predadores. Mecanismos estes aos
quais, vez por outra, o noticiário prefere atribuir como função principal na
espécie humana, dotada de tamanha “sabedoria e superioridade evolutiva”, a inglória
tarefa de descobrir quem foi que soltou um pum…
Rafael Linden
Sem contar o prazer de soltar um pum rsrs
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