Há algum tempo escrevi, aqui no
telhado, um texto (Poucas palavras*),
sobre um “microconto” apócrifo, de apenas seis palavras, atribuído a Ernst
Hemingway. Declarei minha admiração por quem, em texto tão curto, consegue provocar
uma história distinta na cabeça de cada leitor.
Hoje volto ao assunto dos
“microcontos” porque, em uma aula da oficina de contos ministrada por Ana
Letícia Leal, na Estação das Letras, fomos instados a criar um mote para um
conto, a partir de uma de quatro “ministórias” do escritor paranaense Dalton
Trevisan**.
Escolhi
esta, a mais curta das quatro:
“Só de vê-la – ó doçura do quindim se derretendo sem
morder – o arrepio lancinante no céu da boca.”
A
seguir, minha versão da história:
_______________________________________
Anos de solidão, perdido em tristeza.
Foi um encontro fugaz no metrô, a
mirada momentânea, freada, solavanco, a porta abriu e ela se foi. Cruzaram olhares
uma vez mais e ele gravou, para sempre, o nome da estação.
Correram os dias, um novo olhar,
outro e mais outro, até que a chance os aproximou o suficiente para um discreto
cumprimento, um sorriso, um rubor. Tempo, tempo e, sem palavras, o desejo
cada vez mais intenso. E ela, o que sentia?
A cor da pele, as formas do corpo, a
sensualidade, beleza tanta que doía. Sentia-lhe o gosto num delírio de
antecipação. Um dia lhe diria tudo. Se tivesse coragem. Nunca tivera, por que
agora? Um dia teria. Não este. Um dia qualquer. Certo dia, ela não veio. Outro, outro. Ele chorou o sonho evaporado na cidade grande.
Semanas de solidão, perdido em tristeza.
De repente, ela reapareceu. Linda e luminosa. Ao longe. “Só de vê-la...”
Rafael Linden
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