“Banana, menina, tem vitamina, banana
engorda e faz crescer…”. E lá se foram décadas desde a estréia da marchinha “Yes,
nós temos bananas”, de Braguinha e Alberto Ribeiro, gravada por Almirante para
o Carnaval de 1937. Bons tempos, em que nem mesmo a insinuação de que a fruta lhe
acrescentaria uns quilinhos, impedia a avó da gentil leitora de se esbaldar com
a musiquinha no primeiro baile de gala realizado no Theatro – com “h” –
Municipal do Rio de Janeiro. Naquele ano, em plena Praça Onze, a Associação
Recreativista Vizinha Faladeira venceu o desfile das Escolas de Samba; quando se
esgotou o horário autorizado para o evento, o Delegado de Polícia mandou
desligar a corrente elétrica, retirou o policiamento do local e, com isso,
impediu o desfile de metade das concorrentes; e no dia seguinte, o certame do
grupo de acesso não aconteceu porque o encarregado da organização não deu as
caras. Tinha disso. E tínhamos, dizia a canção, “bananas pra dar e vender…” .
Ainda as temos. Até quando? Pois especialistas
alertam que, na falta das devidas providências, dentro de pouco tempo poderá
acontecer uma catástrofe com a população mundial de bananas d’água, por aqui
também chamadas de bananas nanicas. Dito assim, parece mera desculpa para escrever
uma crônica com piadinhas infames. Mas é assunto sério. E de nada adianta o leitor
rabugento dar de ombros porque banana d’água lhe dá dor de barriga e, por isso,
não a come. Sua variedade predileta, seja qual for, pode ir pelo mesmo caminho.
A Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação – conhecida pela sigla FAO - informa que há no
planeta por volta de mil variedades distintas de banana. Mas um único tipo responde
por cerca de metade de todas as bananas colhidas, e pela quase totalidade das
comercializadas por exportação no mundo inteiro. É a Cavendish, nome de família do Duque de Devonshire, em cuja
propriedade o jardineiro Joseph Paxton plantou, em 1830, a primeira muda deste
tipo de fruta na Inglaterra, oriunda da Maurícia, à época uma colônia britânica.
Cinco anos depois, quando o jardineiro logrou colher uma centena de bananas e foi
premiado pela Sociedade Horticultural, os empregados da propriedade
aproveitaram a ocasião para puxar o saco do Duque, batizando a fruta com seu
nome. Pois a banana d’água é uma Cavendish,
descendente daquela bananeira histórica.
O problema é que as bananas deste
tipo estão em perigo, por causa de um fungo que causa a chamada “doença do
Panamá”. Há muitas pragas que podem atacar bananeiras, com consequências que vão
desde manchas inofensivas na casca até a devastação completa da plantação. E a
doença do Panamá é um dos casos mais graves. Desde o século XIX a variedade Cavendish era resistente a este fungo,
ao contrário da maioria das outras bananas comestíveis. Por isso mesmo, tornou-se
a mais comercializada no mundo inteiro quando, há cinquenta anos, a então
recordista Gros Michel sucumbiu ao
tal fungo em escala mundial. Os produtores e, particularmente, as empresas que
dominam o mercado se concentraram então na Cavendish
e, agora, arrancam os cabelos para descobrir como livrar nosso planeta de mais
este flagelo que se avizinha – o fim das bananas!
Já se sabe que a Cavendish se tornou sensível à doença do Panamá porque surgiu uma
nova variedade do fungo, que difere geneticamente das anteriores. Esse tipo de
coisa é uma consequência natural da evolução dos microorganismos, mas nem tudo
está perdido. Nos mais inusitados confins da Terra, pesquisadores vem
procurando e achando bananas selvagens, que não são consumidas por essa nossa
civilizaçãozinha mimada, a qual despreza tais frutos, ora vejam, só porque tem
mais sementes verdadeiras do que polpa, sabor repugnante e, principalmente, não
são vendidas no mercadinho da esquina. E para que essa garimpagem de bananas
exóticas? Não é, felizmente, para nos educar a comer aqueles troços, e sim para
estudar suas propriedades biológicas, em busca de mecanismos que tornaram
algumas delas ainda resistentes à nova forma da doença do Panamá e, com sorte,
a muitas outras pragas.
Os cientistas estão também procurando
os genes responsáveis pela resistência que a Cavendish tinha contra as variedades anteriores do fungo. Quando
descobrirem talvez seja possível, por exemplo, produzir bananas d’água
transgênicas para substituir a Cavendish
tradicional. Vejo daqui nossa gentil leitora arrepiar os cabelos ao ler o
adjetivo “transgênico” junto com o substantivo “banana”. Antes que este blogue
perca de vez sua numerosa audiência, deixemos aqui registrado nosso amor
incondicional pela Natureza e tudo que ela nos oferece, das paisagens às
frutas, passando pela biodiversidade em geral e pelo ar puro. E aplaudimos o
privilégio de quem tem acesso a vegetais de boa qualidade produzidos pela
chamada agricultura orgânica. No entanto, a fruticultura orgânica no Brasil
ainda é incipiente e inconstante, a oferta é muito limitada e a equação da
banana é complicadíssima. Por exemplo, cerca de metade das seis ou sete milhões
de toneladas de bananas produzidas por ano na nossa amada terrinha são de outra
variedade mas, assim como a Cavendish,
são sensíveis a diversas pragas comuns nas vizinhanças. No mundo inteiro, por
enquanto, o controle dessas pragas é geralmente feito por uma combinação de poda
seletiva com aplicação de agrotóxicos. Por outro lado, cientistas brasileiros,
principalmente da EMBRAPA, vem há anos trabalhando em programas de Melhoramento
Genético das bananeiras, e a cada dia surgem novas tecnologias das quais se
espera sucesso progressivo. Dentre essas, ainda que controversa, a produção de
alimentos transgênicos não pode ser simplesmente descartada como alternativa desde
que, é claro, devidamente fundamentada em estudos científicos e avaliação de
riscos à Saúde.
Afinal, em todo o mundo, mais de cem
bilhões de bananas são consumidas por ano e, em muitos lugares, a fruta é
indispensável para garantir um mínimo de eficácia à alimentação local. A chave
para a solução do problema, segundo especialistas, está na diversificação de
variedades da fruta, que promete aumentar as chances de resistência de algumas
delas à evolução inexorável das pragas, em lugar da uniformidade genética
representada por bananas descendentes de um único cacho que por acaso foi parar
nas mão de um jardineiro inglês no século XIX.
Tudo indica que a descoberta de
soluções para a crise da banana é mais provável através do exame criterioso e
teste de múltiplas idéias e tecnologias, baseadas em métodos tradicionais ou
não. Porém, o destino das simpáticas frutinhas ainda esbarra em questões
cabeludas, como o choque entre o direito à propriedade da biodiversidade
mundial e as práticas de conglomerados empresariais, bem como a predominância
de opiniões radicais sobre benefícios e malefícios de novas tecnologias, além
de disputas territoriais, interferência e intolerância política ou ideológica,
roubalheira descarada e por aí vai.
Cá para nós, mesmo o rabugento é
capaz de, às vezes, tolerar outras idéias que não as próprias e chegar a um denominador
comum com a gentil leitora, o humilde cronista e muitos outros cidadãos dentre
a multidão que se aglomera em torno deste blogue. Mas a crescente praga de
sectarismo e raiva epidêmica, que assola todos os setores da vida
contemporânea, não tem oferecido soluções para coisa nenhuma. E dificilmente
ajudará a salvar as prosaicas bananas, cuja redenção parece, como tantas outras
coisas, depender do binômio diversidade-tolerância. Quem dera a véspera do Natal de
2006 não nos tivesse roubado o Braguinha, pois ele ainda estaria por aí cantando “Yes, nós
temos bananas”. No entanto, se for inevitável mudar a letra da marchinha, que pelo
menos não seja porque gente capacitada e bem intencionada desperdiçou
oportunidades por sectarismo ou intolerância. Já nos basta a frequência com que
tantos bons frutos da aventura humana andam a desaparecer por causa disso.
Rafael Linden
Vamos ter, em poucos anos, muita coisa desaparecendo desse planeta...
ResponderExcluirCertos "abacaxis" não nos fariam falta. Infelizmente são resistentes...
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