Assustar-se-á
a gentil leitora que, embevecida, nos lê na tela do espertofone enquanto come uma
saudável salada de frutas antes de voltar para seu escritório. Não carece, mesmo
porque nada há a fazer. Mas convém dar-se conta de que seu cérebro está,
literalmente, se deformando pelo hábito de usar o celular para interagir com
seus oitocentos e quarenta amigos do fêice e responder de imediato às dezenas
de uótisápes que outros tantos lhe enviam diariamente.
Na verdade, sabe-se
há tempos que movimentos treinados repetidamente, como os que fazem músicos ou
atletas, modificam o mapa de representação corporal no cérebro. Se já não
sabia, caro leitor, fique sabendo que existem tais mapas das diversas partes do
corpo humano – sim, sim, daquelas também - em várias áreas do córtex cerebral. Muitíssimos
neurônios cerebrais tem sua atividade associada a sensações ou movimentos de
partes específicas, como o braço direito, a perna esquerda, ou o dedo mindinho.
Além disso, há mais de vinte anos, pesquisadores de vários países mostraram,
por exemplo, que violinistas tem um volume maior do cérebro ocupado pela
representação de sensações na ponta dos dedos, enquanto jogadores de futebol
americano e de tenis tem uma parcela maior do cérebro dedicada a representar,
respectivamente, pernas e braços, quando comparados a quem não pratica música
ou esportes.
Não apenas o
rabugento, mas os próprios pesquisadores pensaram na alternativa de que são as
pessoas que se tornam músicos ou atletas como consequência de facilidades
oferecidas desde a infância por essa proporção extra de cérebro adequada para
aquelas atividades. Porém, experimentos controlados, assim como evidências de
que os sucessivos anos de treinamento contribuem diretamente para as mudanças,
indicam que o cérebro humano se adapta às exigências de atividades sofisticadas
altamente treinadas.
Sabendo
disso e, possivelmente, enfurecido com o tempo que sua namorada gastava
batucando na tela do espertofone em vez de retribuir sua insana paixão, o jovem
pesquisador indiano Arko Gosh, do Instituto de Tecnologia de Zurich, na Suiça,
resolveu testar se a mania de sua amada teria consequências para a organização
funcional do cérebro. Para evitar bronca de Ministro dispenso o anglicismo spoiler e peço vênia pelo “estraga-prazeres”:
tem consequências, sim.
Gosh e seus
colaboradores usaram técnicas de eletroencefalografia para registrar sinais
cerebrais provocados por leve estimulação mecânica do polegar, do indicador e
do dedo médio da mão direita de voluntários que pertenciam a dois grupos
distintos: um de usuários contumazes de espertofones com tela sensível ao toque
(touchscreen), e outro de donos de
celulares “mais ou menos espertos”, com teclado de verdade (chamado teclado
QWERTY, ou teclado físico). A idéia foi comparar entre esses grupos o mapa, na
superfície do cérebro, da região que responde ao toque sutil de cada um
daqueles dedos.
Os
resultados foram bacaninhas. Bastam dez dias de uso intenso de touchscreen para o cérebro reagir com um
aumento da atividade e do volume de tecido nervoso ativado pelos toques no
polegar, no indicador e, bem menos, no dedo médio, quando comparados aos usuários
de celulares com teclas de verdade. E o aumento do volume cerebral que responde
ao polegar era tanto maior quanto maior o uso, o qual foi estimado através de
um aplicativo de carga da bateria do aparelho. Em outras palavras, escrever
mensagens de texto no celular é uma verdadeira mistura de “arte” e “atletismo”
do dedão, inclusive no que se refere ao cérebro. A diferença com os teclados
verdadeiros provavelmente reside na sutileza dos toques na tela, que exigem
mais habilidade do que tamborilar nas teclas de plástico. E o dedo indicador entra
na parada por conta de movimentos compensadores para manter o celular firme na
mão enquanto se tecla com o dedão.
Sei lá se é
bom ou ruim. Caso o leitor acredite que caminhamos inexoravelmente para uma era
na qual nossas atividades serão totalmente mediadas por espertofones, essa
reorganização funcional do cérebro deve ajudar. Por outro lado, mudanças
produzidas por atividades repetitivas podem driblar os benefícios e, além das
conhecidas lesões de esforço repetitivo, podem eventualmente interferir em
outras funções motoras. Por exemplo, um virtuoso do violão não pode se dar ao
luxo de beneficiar o polegar em detrimento de áreas do cérebro dedicadas aos
demais dedos das mãos.
Mas, cá pra
nós, um dos maiores encantos da crônica é a licença oficial para a pilhéria. É
consensual o reconhecimento do bem que a oposição do polegar aos outros dedos
da mão ofereceu aos hominídeos, facilitando o uso de ferramentas com vantagens
evolutivas principalmente para nós, humanos. Pois estou certo de que, ao final
de uma ceia pantagruélica, não haverá quem resista à idéia de que a oposição do
polegar foi, na verdade, invenção de um primata primitivo, precursor de nossa
espécie, cujo nome científico era Steve Jobs.
Rafael Linden
Fico chocada com o tempo dedicado por alguns aos espertofones, como voce os chama.
ResponderExcluirSinal dos tempos...
ExcluirÉ preciso ter dedos finos, como os dedos das gentis leitoras. Senão, acerta duas teclas virtuais ao mesmo tempo sempre...
ResponderExcluirMais erros, mais correções, o efeito deve ser maior!
ExcluirR
Sensacional!
ResponderExcluirObrigado, Anônimo!
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